sábado, 25 de maio de 2013

Porque educamos nossos filhos?

Pergunta: Quais as vossas ideias a respeito da educação?
Krishnamurti: Penso que simples ideias nenhuma utilidade têm, porquanto uma ideia é tão boa como outra qualquer, conforme é aceita ou recusada pela mente. Mas, talvez seja proveitoso averiguarmos o que se entende por educação. Vejamos se, juntos, poderemos considerar de maneira completa o significado da educação, não em conformidade com minhas ideias ou vossas ideias ou as ideias de tal ou qual especialista.

Porque educamos nossos filhos? É com o fim de ajuda-los a compreender a totalidade da vida, ou apenas de prepara-los para ganhar a vida em determinado meio da sociedade? Que é que desejamos? Não pergunto o que devemos desejar, ou o que é desejável, porém, sim, o que é que nós, os pais, desejamos verdadeiramente? Queremos fazer o nosso filho ajustar-se, tornar-se cidadão respeitável de uma sociedade corrupta, uma sociedade em guerra tanto internamente como com outras sociedades, uma sociedade brutal, aquisitiva, violenta, ávida, com esporádicos gestos de afeição, tolerância, benevolência. Não é isso o que realmente desejamos? Se o jovem não se ajustar à sociedade — comunista, socialista, capitalista — tememos pela sua sorte;  tratamos, assim, de educa-lo para ajustar-se ao mesmo padrão pela qual fomos moldados. É só isso que desejamos para a criança, e é isso, essencialmente, o que está ocorrendo. E qualquer revolta, por parte do jovem, contra a sociedade, chama-se delinquência.

Queremos que os jovens se ajustem; queremos controlar-lhes a mente, moldar-lhes a conduta, a maneira de viver, a fim de adaptá-los ao padrão da sociedade. É isso o que todo pai deseja, não é verdade? E é isso, exatamente, o que está acontecendo na América, na Europa, na Rússia, na Índia. O padrão poderá variar ligeiramente, mas todos querem obrigar os filhos a ajustarem-se a ele.

Ora, isso é educação? Ou educação significa que os pais e mestres percebem eles próprios o inteiro significado do padrão e ajudem os filhos, desde o começo, a se tornarem atentos a todas as influências? Perceber o inteiro significado do padrão, com suas influências religiosas, sociais e econômicas, suas influências de classe, de família, de tradição — perceber, por si mesmo, o significado de tudo isso e ajudar a criança a compreende-lo e não se deixar enredar por ele — isso pode chamar-se educação. Educar o jovem pode significar ajuda-lo a manter-se fora da sociedade, a fim de que crie sua própria sociedade. Como nossa sociedade não é o que deveria ser, porque estimular o jovem a ater-se ao seu padrão?

Atualmente, forçamos o jovem a sujeitar-se a um padrão social que estabelecemos, como indivíduos, como família e como coletividade; e, infelizmente, ele é o herdeiro não só de nossos bens, mas também de algumas de nossas características psicológicas e, assim, desde o começo, escravo do ambiente.

Se percebermos tudo isso e realmente amamos os nossos filhos, devemos então sentir profundo interesse pela sua educação e tratar, desde o começo, de criar uma atmosfera que os estimule a ser livres. Alguns verdadeiros educadores já têm pensado em tudo isso, mas, infelizmente, pouquíssimos pais o têm feito. Deixamos tudo a cargo dos especialistas: a religião, para o sacerdote, a psicologia para o psicólogo, e nossos filhos a cargo dos chamados pedagogos. Ora, por certo, pai é também educador; ele é quem ensina, e também aprende — não apenas a criança.

Esse é realmente um problema muito complexo e se desejamos realmente resolvê-lo, temos de examiná-lo muito profundamente; e então, penso, descobriremos um meio de instaurar a educação correta.    

Krishnamurti — Verdade Libertadora — ICK

terça-feira, 21 de maio de 2013

Autoconhecimento: a porta da liberdade

Pergunta: Tereis a bondade de dizer-nos o que é liberdade? Não é uma ilusão que andamos todos a perseguir?

KRISHNAMURTI: Só desejamos a liberdade quando es­tamos cônscios de nosso cativeiro; e porque não sabemos como nos libertarmos desse cativeiro, buscamos a liberda­de. Mas, se tivermos a capacidade de nos libertarmos do cativeiro, haverá então liberdade; não teremos de pro­curá-la, nem de perguntar o que é liberdade — isso pode ficar para os filósofos e especuladores. O importante é des­cobrirmos de que maneira estamos sendo mantidos nesse cativeiro, porque na própria compreensão do cativeiro en­contra-se a liberdade. No momento em que lutamos con­tra o cativeiro, criamos outro cativeiro. Mas, se pudermos compreender todo o processo psicológico de nosso cativei­ro — não apenas o que nos está prendendo, mas como isso nasceu, os motivos, o seu alcance, todo o seu fundo, tanto consciente como inconsciente — então, nesta própria com­preensão, se encontra a liberdade; não temos de "tornar- nos" livres.

Consideremos, por exemplo, o medo. Em geral somos dominados pelo medo, sob esta ou aquela forma; e este é um processo muito complexo, não achais? Sabemos que temos medo e como nasce o medo? Ou apenas tecemos teorias a seu respeito? Por certo, o medo só existe em relação com alguma coisa; não existe sozinho: tenho medo de alguma coisa — da morte, da pobreza, do que se diz de mim, etc. E pode-se examinar, profundamente, este problema do medo? Isso só é possível se não procuro fazer alguma coisa em relação ao medo.

Que é o medo? Medo do desconhecido? Ou temos medo de perder o conhecido — de ficarmos pobres, por exemplo? Pode a mente libertar-se do medo de ser pobre? E a que damos mais importância, à pobreza espiritual ou à pobreza material? Por certo, ao homem que reflete, ao homem realmente empenhado em descobrir o que inte­ressa é a pobreza espiritual. E essa pobreza espiritual pode ser superada pelo saber, pela leitura de livros? Pode a mente enriquecer-se por qualquer espécie de preenchi­mento? E há realmente preenchimento, ou isso é apenas uma exigência da mente, que, temendo sua própria pobre­za, busca preencher-se?

O problema do medo, por conseguinte, não é muito simples e se requer, por parte da mente, muita investi­gação para descobrir a natureza de seu medo. Quando há compreensão de todo o processo do medo, encontra-se a liberdade — não puramente liberdade do medo, porém liberdade para a mente transcender a si própria. O ho­mem que está livre de alguma coisa só conhece uma li­berdade limitada.

Está visto, pois, que a investigação de tudo isso de­manda muita energia, muita atenção, não apenas por uma ou duas horas, mas a todos os momentos do dia — via­jando de ônibus, no escritório, no lar, ou num passeio solitário. Há necessidade dessa constante investigação, de um constante indagar, uma constante vigilância, para que se nos revele todo o conteúdo de nosso ser. Ver-se-á, então, que, no descobrimento e na compreensão do que realmente somos, se nos abre a porta da liberdade. 

Krishnamurti — Verdade libertadora - ICK


A liberdade está na intensificação do descontenta­mento

Vivemos, quase todos nós, vidas muito superficiais; somos solitários; e procuramos enriquecer nossa mente empobrecida, enchendo-a de conhecimentos, informações, fatos. Mas, não é capaz de profunda investigação a mente que está repleta de saber ou ligada a qualquer crença dogmática. O relevante é perguntarmos a nós mesmos se a mente é capaz de autoconhecimento. Isto é, sou capaz de conhecer a mim mesmo, de penetrar o movimento to­tal de minha mente — não com morbidez, com desespe­ro, com a ideia de que é feio ou belo o que nela se passa, mas simplesmente observando? Parece-me de suma importância essa capacidade de atenta vigilância de nos­sa própria mente, porque é unicamente pelo autoconheci­mento que se podem compreender as coisas que estão entra­vando o livre funcionar da mente.

O autoconhecimento é um processo extraordinário, porquanto o "eu" nunca é o mesmo a cada momento; há uma infinidade de desejos contraditórios, compulsões, impulsos. E se em sua totalidade não compreendermos isso, como poderá ser livre a mente? Só a mente livre pode realmente experimentar algo existente além de suas próprias limitações, além das crenças e dogmas causadores de condicionamento.

Estas conferências, parece-me, serão muito úteis se formos capazes de escutar realmente o que se diz. Em geral nunca escutamos verdadeiramente uns aos outros; e, quando escutamos o que outro diz, é sempre para in­terpretá-lo. Esse interpretar não é escutar. Mas, se for­mos capazes de escutar, não com concentração forçada, porém dando-se livre atenção ao que se diz, então o sig­nificado profundo das palavras penetrarão a mente; e considero esse escutar de importância muito mais vital do que o mero lutar para compreender através da cortina de nossos preconceitos. Isto é, se tiverdes capacidade de escutar o que se está dizendo, sem resistirdes, sem opordes, intelectualmente, argumentos racionais, sem rejeitardes nem aceitardes, penso que, então, o próprio ato de escutar é purificador da mente. É como a semente lan­çada à terra; se a semente tiver vitalidade, por si própria medrará.

Mas, infelizmente, vivemos em geral tão interessados em nossas próprias ideias e crenças e preconceitos, que a atenção se torna impossível. A atenção é o "bem total"; mas não sabemos prestar atenção. Tampouco, nunca ob­servamos realmente qualquer coisa que seja. Não sei se alguma vez já fizestes a experiência de observar uma coi­sa, realmente; quer dizer, sem lhe dardes nome, sem lhe pordes um rótulo, sem a interpretardes. Vê-se, então, muito mais, percebe-se com mais intensidade a nitidez da cor, a beleza ou fealdade da forma, etc. E, se conseguirdes escutar com essa qualidade de atenção, vossa mente será então o solo em que poderá medrar algo totalmente novo. Verificareis, então, à conclusão destas nossas pa­lestras que, propriamente, nada vos ensinei. Porque, que é que estamos tentando nestas palestras? Não estais ten­tando compreender a mim; estais procurando compreen­der a vós mesmos. E para compreenderdes a vós mesmo, tendes de observar-vos no interior. Mas, a mente dominada pela autoridade nunca se observa interiormente; a mente desejosa de alcançar um fim, um objetivo, não pode de modo nenhum compreender-se a si própria.

Parece-me, pois, de primordial importância o compre­endermos a nós mesmos. O autoconhecimento é o começo da sabedoria. Mas, é tão pouco o que sabemos a nosso respeito; desconhecemos tanto as partes inconscientes co­mo as partes conscientes de nós mesmos, a totalidade de nosso ser. E é possível conhecermo-nos totalmente? Por certo, se uma pessoa é incapaz de compreender a si mes­ma, à totalidade de seu ser, toda sua busca será sem sig­nificado. A busca se torna então uma contradição, um de­sejo contra outro desejo. Agora, se pudermos compreender-nos, se pudermos observar paciente e diligentemente o funcionamento de todo o nosso ser, veremos, então, que a mente se tornará muito clara, livre. Só essa mente é capaz de investigar, de descobrir o eterno — e então, tal­vez, já não haja busca nenhuma, porque a mente se tor­nou ela própria o eterno.

É dificílimo, à maioria de nós, nos conhecermos, por­quanto estamos sempre medindo os nossos pensamentos, as nossas ações, os nossos sentimentos. Pensamos que com essa medição chegaremos a conhecer-nos; mas, sem dúvida, a mente que está sempre julgando, avaliando, nunca se conhecerá tal qual é, porquanto tem uma medi­da, um padrão de avaliação. Esta me parece uma das nossas maiores dificuldades: o não podermos observar nossos sentimentos, nossos pensamento, sem avaliação — sem aprovar ou condenar. Para a maioria de nós, o jul­gar, o comparar, aprovar, condenar, constitui a própria essência de nossa existência. Eis porque somos incapazes de penetrar as últimas profundezas de nossos pensamen­tos e sentimentos, conscientes e inconscientes.

Se, por exemplo, desejamos compreender uma criança, nenhum valor tem, certamente, compará-la com seu irmão. Para compreendê-la, temos de observá-la sem com­paração; observá-la a horas diferentes, em suas variadas disposições. Mas, somos criados e educados para compa­rar, para julgar, para condenar; e pensamos que pela comparação, pela condenação, pelo julgamento, compreendere­mos. Pelo contrário, enquanto compararmos, julgarmos, condenarmos, jamais compreenderemos coisa alguma.

Do mesmo modo, se desejamos compreender a tota­lidade de nosso ser, por mais feio ou belo que seja, por transitório ou permanente que seja, devemos ser capazes de observar-nos no espelho das relações, sem avaliação, sem comparação; e veremos então começar a revelar-se a totalidade da consciência.

Afinal de contas, embora percebamos alguma coisa do funcionamento da mente consciente, em geral muito pouco sabemos, a respeito de nós mesmos, nas camadas mais profundas da consciência. Nunca observamos essa parte de nós mesmos, nunca sequer tentamos investigá-la; ou, se a investigamos, isso só acontece ao nos vermos atribulados por alguma neurose, quando então, corremos para alguém a solicitar ajuda. Isto não é conhecimento próprio. Conhecer a nós mesmos implica auto-observação a cada momento, do dia, em nossas relações, em nosso fa­lar, em nossas ações, em nossos gestos; implica um auto-percebimento completo — sendo assim que começamos a descobrir o que somos. E descobrimos, então, que somos realmente muito pouca coisa. Somos só aquilo que fomos condicionados para ser. Cremos ou não cremos; repeti­mos o que nos ensinaram. Aceitamos, porque temos medo, e é no nosso medo que prosperam as religiões. Eis porque é tão importante conhecermos a nós próprio, não teoricamente ou de acordo com o ponto-de-vista psicoló­gico, mas conhecermos por nós mesmos o que intrinsecamente somos. E isso não me parece tão difícil, se aplicar­mos toda a nossa atenção a descobrirmos o que somos em cada momento de nossa vida de relação.

Vereis então que a religião é coisa completamente diferente de tudo o que já conheceis. A religião nada tem que ver com essas organizações absurdas que controlam a mente por meio desta ou daquela crença; nada tem que ver, absolutamente, com nenhuma dessas chamadas socie­dades religiosas. Ao contrário, um homem verdadeiramente religioso não pertence a nenhuma dessas socieda­des, a nenhuma organização religiosa; mas, para se ser verdadeiramente religioso, requer-se uma imensa com­preensão dos movimentos do "eu", do próprio estado in­tegral. Não há diferença essencial entre o homem que crê em Deus e se considera religioso, e aquele que nada crê e se considera irreligioso. Cada um deles está condicio­nado pela sociedade em que vive, e para se ser livre desse condicionamento requer-se intensificação do descontenta­mento. Só quando a mente está descontente, revoltada, quando não está meramente a aceitar ou a procurar um conforto de nova espécie — é só então que nasce o homem verdadeiramente religioso.

Esse homem verdadeiramente religioso é o autêntico revolucionário, porque só ele pode alterar, em nível com­pletamente diferente, a atitude da sociedade. Mas, para isso se requer uma extraordinária compreensão de si mes­mo. O autoconhecimento é de primordial importância, é absolutamente essencial para todo aquele que busca a verdade; porque se não conheço a mim mesmo, como pos­so buscar a verdade? Meu instrumento de busca, que é mi­nha própria mente, pode estar pervertido, deturpado, e só pelo autoconhecimento pode a mente ser posta na dire­ção correta. A mente clara, direta, só ela pode investigar o verdadeiro, e não a mente confusa. A mente confusa só encontrará o que também é confuso.

Mas, uma mente confusa não pode tornar-se não confusa, recorrendo a outro, buscando a autoridade de um livro, de um sacerdote, de um analista, de quem quer que seja. Só se acaba a confusão quando a mente começa a compreender a si própria. E dessa compreensão resulta a lucidez e tranquilidade mental. Só a mente que se acha totalmente tranquila, é capaz de perceber o atemporal.

Krishnamurti — Verdade Libertadora


quarta-feira, 1 de maio de 2013

A dimensão que o pensamento não alcança

SEMPRE QUE viajamos para diferentes partes do mundo, en­contramos mentes, desde as mais rudes às mais sutis, dedi­cando esforços enormes para encontrar algo sagrado, realmente santificado. Para qualquer lugar que vamos, sempre ouvi­mos constantes indagações a respeito da mente humana, se de fato existe alguma coisa realmente sagrada, divina, algo que não seja passível de corrupções. Como resposta a essa pergunta, os sacerdotes em todo o mundo dizem que é preciso ter fé em algo que denominam "Deus". Será que podemos descobrir a existência de Deus pelos man­damentos de determinada religião ou crença? Ou isso não passa de invenção da mente amedrontada, que vê as coisas fluírem, transitórias, e por isso buscam algo permanente, que se situe fora do tempo? Precisamos nos preocupar se de fato acreditamos ou não, porque a menos que nos enfronhemos nesse assunto, e aprendamos a seu respeito, o sentido da vida sempre será superficial. Podemos ter princípios mo­rais - no verdadeiro sentido das palavras, sem nenhuma repressão, sem a interferência da sociedade ou da nossa cultura - e levar uma vida harmoniosa, sadia, equilibrada, sem contradições e sem medos, porém, a não ser que encontremos aquilo que a humanidade vem procurando, não importa o quanto somos virtuosos, socialmente ati­vos, tentando ser caridosos e assim por diante, a vida será sempre frívola. Para vivermos de acordo com os princípios morais verdadei­ros e a virtude, temos de estar profundamente integrados no âmbito da ordem.

Se formos plenamente sérios, interessados de verdade no fenômeno da existência como um todo, é importante descobrirmos sozinhos se há algo inominável fora do tempo, que não tenha sido formado pelo pensamento, que não seja mera ilusão da mente humana, ansiando por experiências do além. Precisamos aprender a respeito, pois isso nos proporcionará uma surpreendente visão da dimensão da vida - não apenas em seu significado, como em toda sua beleza - na qual não existem conflitos, porém um grande senso de inteireza, de completude e total suficiência. Quando a mente obtiver essa percepção, deve naturalmente abandonar as coisas que o homem formou, às quais ele denomina divinas, juntamente com todos os rituais, crenças e dogmas a que está condicionado.

Espero que tenhamos nos comunicado e, também, que você tenha abandonado aquelas coisas não só verbalmente, mas em seu interior mais profundo, de maneira que você se torne capaz de conduzir-se sozinho, sem depender psicologicamente de nada. É bom duvidar; con­tudo, a dúvida deve estar sob seu domínio. Manter a dúvida inteli­gentemente sob seu domínio é indagar, mas duvidar de tudo não tem sentido. Se você investigou com inteligência e viu sozinho todas as sugestões de estruturas que o homem idealizou em sua ânsia de des­cobrir se existe ou não a imortalidade, um estado de espírito que é infinito e imorredouro, então você pode começar a aprender.

0 pensamento nunca pode alcançar esse estado, pois ele não é apenas tempo e medida, mas retém todo o conteúdo do passado cons­ciente e inconsciente. Quando o pensamento diz que vai buscar algo verdadeiro, ele projeta aquilo que considera real, e que acaba se transformando em ilusão. Quando o pensamento se dispõe a praticar uma disciplina com a finalidade de descobrir a verdade, está realizando o que a maioria dos santos, religiosos e as doutrinas realizam. Vários gurus vão lhe aconselhar a treinar seu pensamento, controlá-lo e discipliná-lo, encaixá-lo dentro de padrões que eles vão determinar, para que você finalmente se depare com o que é real. Contudo, sabe-se que o pensamento jamais poderá descobrir, porque ele é essencial­mente o oposto da liberdade. Nunca poderá ser novo, e para encontrar algo que seja totalmente imperceptível, desconhecido e irreconhecível, o pensamento precisa estar em absoluta quietude.

O pensamento pode permanecer em absoluta quietude - sem nenhum esforço, sem ser controlado? Porque no momento que ele for controlado vai haver um controlador que também é criação do pensamento. Então o controlador começa a dominar seus próprios pensamentos, e surgem os conflitos que são sempre o resultado da atividade do pensamento. A mente é o resultado do tempo, da evolução; é o depósito de grandes conhecimentos, de muitas influências, expe­riências, que são a própria essência do pensamento. A mente pode permanecer quieta, sem ser controlada, sem disciplina, sem nenhum tipo de esforço? Sempre que há esforço, há distorção. Se você e eu entendermos isso, então seremos capazes de exercer nossas funções com equilíbrio, de modo normal e saudável em nossa vida diária, ao mesmo tempo que teremos uma extraordinária sensação de liberdade de pensamento.

Agora, como isso acontece? É o que a humanidade vem buscando. Sabemos perfeitamente que o pensamento é transitório, que pode ser modificado, aumentado e que não consegue penetrar de fato em algo que seja imperceptível por quaisquer processos de pensamento. A humanidade deseja saber como o pensamento pode ser controlado, porque sabemos com certeza que só quando a mente está comple­tamente imóvel podemos ouvir ou ver algo com clareza.

Pode o cérebro, a mente, permanecer completamente imóvel? Você já se fez essa pergunta? Se fez e encontrou a resposta, esta deve estar de acordo com o seu modo de pensar. O pensamento pode perceber sua própria limitação e, ao percebê-la, manter-se imóvel? Se você já observou sua própria mente funcionando, notou que as célu­las cerebrais são em si mesmas o conteúdo do passado. Cada célula cerebral mantém a memória do ontem, porque esta memória dá segu­rança ao cérebro; o amanhã é incerto, ao passo que o ontem é certo; há segurança naquilo que é conhecido. Logo, o cérebro é o passado e, portanto, é o tempo. Só consegue raciocinar em termos de tempo: ontem, hoje e amanhã. O amanhã é incerto, mas o passado, por intermédio do presente, torna o futuro mais certo. O cérebro, que foi treinado e educado durante milênios, pode permanecer completamente imóvel? Por favor, conheça antes o problema, pois quando entende­mos os problemas e todas as suas implicações com clareza, sabedoria e inteligência, a resposta está no problema, não fora dele. Qualquer problema, se você examinar bem, contém em si mesmo a solução: esta não se encontra fora dele.

Então, a questão é a seguinte: Pode o cérebro, a mente, toda a estrutura orgânica, permanecer absolutamente silenciosa? Sabemos que há diferentes tipos de silêncio. Aquele entre dois ruídos, entre duas declarações verbais, o induzido, aquele que é resultado de uma rigorosa disciplina ou controle. Todas essas formas de silêncio são estéreis. Não são o silêncio. São produtos do pensamento que quer ficar silencioso, mas continua dentro da área do pensamento.

Como pode a mente - que representa o todo — aquietar-se sem um motivo? Se houver um motivo, ele é também produto do pensa­mento. Se você desconhece a resposta, alegro-me, porque esta requer total sinceridade. Para descobrirmos se existe de fato algo que foge desta dimensão, voltado para uma dimensão completamente dife­rente, precisamos da absoluta sinceridade; nesta não haverá decep­ções, porque não há desejos. No momento em que a mente desejar encontrar esse estado, ela vai inventá-lo, e será tomada por uma ilusão, por uma visão. Essa visão, essa experiência, será uma proje­ção do passado e, por mais agradável, encantadora e prazerosa que seja, ainda assim será o reflexo do passado.

Se tudo o que dissemos está claro, não só verbalmente, mas de verdade, então a questão é: O conteúdo e aquilo que compõe a cons­ciência podem ser radicalmente esvaziados?

Todo o conteúdo interior de nossa conscientização diária é o inconsciente e o consciente: aquilo que contém o pensamento, que foi acumulado e adquirido por meio da tradição, da cultura, de lutas, sofrimentos, tristezas, decepções. A totalidade disso tudo é a minha e a sua consciência. Para descobrirmos se realmente existe alguma coisa que se situa além dessa dimensão, é preciso muita sinceridade. Sem seu conteúdo, o que é a consciência? Só conheço minha cons­ciência em virtude do seu conteúdo. Sou hindu, budista, cristão, cató­lico, comunista, socialista, artista, cientista, filósofo. Sou apegado à minha casa, à minha mulher, aos meus amigos. As conclusões, lem­branças, imagens que construí durante cinquenta, cem ou milhares de anos são o conteúdo. O conteúdo é minha consciência, como a sua, e a área da consciência é o tempo, porque a área do pensamento é a área da medição, da comparação, da avaliação, do julgamento. Dentro da área da minha consciência estão meus pensamentos inconscientes e conscientes. E qualquer movimento dentro dessa área estará dentro da ação da consciência com seu conteúdo. Por esse motivo, o espaço na consciência é muito limitado.

Tudo o que aprendemos juntos será seu, não meu. Quando esti­ver livre dos chefes, dos professores, sua mente estará aprendendo. Portanto, haverá energia, e você ficará louco para descobrir. Mas se estiver seguindo alguém, então vai perder toda essa energia.

Dentro da área da consciência, juntamente com seu conteúdo, que é o tempo, o espaço torna-se muito exíguo. Podemos expandir esse espaço por meio da imaginação, inventando, por vários processos de estiramento, pensando mais e mais sutilmente, mais deliberadamente, e ainda assim estará dentro do espaço limitado da consciência com seus conteúdos. Qualquer movimento para ir além dele mesmo estará dentro do conteúdo. Se você usar drogas, o resultado ainda será fruto da atividade do pensamento dentro da consciência, e se pensa que está indo além, ainda está dentro, porque é apenas uma ideia ou vivência do conteúdo com mais profundidade. Então vemos o conteúdo, que é o "mim", que é o ego, que é a pessoa a quem chamamos de indivíduo. Dentro dessa consciência, embora expandida, o tempo e o espaço limitados continuam a existir. Quando a consciência em­prega um esforço para alcançar algo que esteja além dela, ela inventa a ilusão. Partir em busca da verdade é absurdo. Aprendendo por intermédio de um "mestre" ou de um guru, você estará apenas prati­cando um método, sem conhecer todo o seu conteúdo e perceber soa frivolidade; é como pretender que um cego conduza outro cego.

A mente é seu conteúdo. O cérebro é o passado, e é a partir desse passado que o pensamento funciona. O pensamento jamais é livre ou novo. Então surge a questão: Como esse conteúdo pode ser esvaziado? Não é por meio de um método, porque na hora em que você estiver praticando um método, que alguém lhe ensinou ou que você inven­tou, ele se torna mecânico. Além do mais, ainda está no campo do tempo e do espaço limitados. A mente pode enxergar sua própria limitação, e a própria percepção dessa limitação pode fazer com que ela acabe? Em lugar de perguntar como esvaziar a mente, podemos enxergar todo o conteúdo que compõe a consciência, perceber e ouvir todos os seus movimentos, de maneira que a simples percepção desse fato é seu próprio fim? Se noto que alguma coisa é falsa, a mera percepção do falso é o verdadeiro. A mera percepção da mentira é a própria verdade. A mera percepção da minha inveja torna-me livre dela. Isto é, você só consegue ver e observar com clareza quando não existe o observador. O observador é o passado, a imagem, a conclu­são, a opinião, o julgamento.

Então, a mente consegue ver claramente seu conteúdo, sem nenhum esforço, ver sua limitação, a falta de espaço, a vinculação do tempo com a qualidade da consciência e seu conteúdo? Você pode enxergar isso? Somente poderá ver o todo — o conteúdo do consciente e do inconsciente — quando olhar em silêncio, quando o observador estiver totalmente imóvel. Isto significa o emprego de muita atenção, e é nessa atenção que há energia. Considerando que você despende um esforço ao prestar atenção, esse esforço é um gasto de energia. O mesmo acontece quando tenta controlar. O controle implica confor­midade, comparação, repressão, e tudo isso representa dispêndio de energia. Quando há percepção, há atenção, que é pura energia, e na atenção não há nem um sopro de perda de energia.

Agora, quando olhamos com energia todo o conteúdo da cons­ciência e da inconsciência, a mente se esvazia. Não é ilusão. Não é o que acho ou uma conclusão a que cheguei. Se eu chegar a uma conclusão, se achar que isso é o certo, então estou me iludindo. E sabendo que é uma ilusão não me manifesto a respeito, porque seria como um cego conduzindo outro cego. Você vai conseguir enxergar a lógica desse fato, seu bom senso, se estiver ouvindo, se estiver prestando atenção, se realmente estiver disposto a descobrir.

Como é possível que o inconsciente exponha toda a profundidade do seu conteúdo? Primeiro, olhe para a questão e depois partiremos desse ponto. Como dividimos tudo na vida, dividimos o consciente em consciente e inconsciente. Essa divisão, essa fragmentação, é induzida por nossa cultura, por nossa educação. O inconsciente tem suas razões, sua herança racial, sua experiência. Será que isso pode ser exposto à luz da inteligência? A luz da percepção? Se você fizer essa pergunta, não estará se colocando no lugar do analista, que vai verificar o conteúdo e, portanto, provocar a divisão, a contradição, o conflito e a tristeza? Ou estará perguntando sem saber a resposta? Isto é relevante. Se está perguntando com sinceridade e seriedade, sobre como expor toda a estrutura escondida da consciência sem de fato conhecê-la, irá aprender; entretanto, se já tirou qualquer tipo de conclusão, se tem uma opinião formada, então está chegando com uma mente que já pressupôs a resposta ou concluiu que não há res­posta alguma. Seu conhecimento pode ter vindo de algum filósofo, psicólogo, analista, mas não do seu próprio conhecimento. É o conhecimento deles e você está interpretando e tentando compreender o que não é real.

Para a mente que diz "Eu não sei" - o que é verdade, é sincero -, o que existe? Quando você diz "Eu não sei", o conteúdo não tem a mínima importância, porque denota ser uma mente fresca. É uma nova mente que diz "Eu não sei". No entanto, ao dizer isso não só oralmente, por brincadeira, mas com intensidade, com significado, com sinceridade, esse estado mental que nada sabe está vazio de sua consciência e de seu conteúdo. O conhecimento é o conteúdo. Está vendo? Sempre que a mente diz que não sabe, ela se mostra nova, viva, atuante; é sinal de que não possui ancoradouro. E só quando possui ancoradouro que armazena opiniões, conclusões e separação.

Isso é meditação. Ou seja, meditar é perceber a verdade a cada segundo, não a verdade definitiva. E perceber a cada instante o que é falso e o que é verdadeiro. É perceber a verdade de que o conteúdo é a consciência - isto é a verdade. Perceber a verdade de eu não saber lidar com tudo isso - essa é a verdade, o não-conhecimento. Portanto, não saber é o estado isento de conteúdo.

E extremamente simples. Você pode colocar objeções, porque esperava algo inteligente, complicado, ao ver que algo bastante sim­ples pode ser tão fantasticamente maravilhoso.

Pode a mente, que é o cérebro, enxergar sua própria limitação, a limitação do tempo, a escravidão ao tempo e a limitação ao espaço? Enquanto vivermos dentro de um espaço limitado, dependentes do movimento do tempo, haverá sofrimento, desespero psicológico, es­perança e todas as angústias que os acompanham. Quando a mente percebe essa verdade, o que é o tempo? Então vai surgir uma nova dimensão que o pensamento não consegue alcançar e, portanto, não pode ser descrita? Já dissemos que o pensamento é medição e, por­tanto, tempo. Vivemos em função das medidas; toda a estrutura do nosso pensamento está baseada em medidas, o que envolve compara­ção. O pensamento, como medição, tenta ir além de si mesmo e descobrir por si só se existe algo que não é mensurável. Perceber a falsidade que esse fato contém é a verdade. A verdade é enxergar o falso, e o falso existe quando o pensamento procura aquilo que não é mensurável, que não é o tempo, nem o espaço do conteúdo da consciência.

Quando fazemos todas essas questões, quando você vai apren­dendo à medida que progride, então sua mente e seu cérebro se tornam extraordinariamente imóveis. Não há necessidade de discipli­na, de professor, de guru ou de qualquer método para que isso aconteça.

Atualmente, existem diversas formas de meditação no mundo. O homem está excessivamente ávido e ansioso para experimentar algo que ainda não conhece. Ioga agora está na moda; foi trazida para o Ocidente para tornar as pessoas saudáveis, felizes e joviais, para ajudá-las a encontrar Deus - em todos os lugares se fala disso. A busca pelo oculto também está na moda, já que é um assunto muito excitante. Para a mente de alguém que está buscando a verdade, que está tentando conhecer a vida como um todo, que vê quando o falso é falso, e a verdade no que é falso, as coisas ocultas são óbvias demais e esse tipo de mente não pode tocá-las. Não tem a menor importância eu ler seus pensamentos ou você ler os meus, poder ver anjos, fadas ou ter visões. Queremos ver algo misterioso, mas não vemos o imensurável mistério do viver, do amor pela vida. Não vemos isso e esbanjamos tempo em coisas que não têm a menor importância.

Depois que você terminou com tudo isso, vem a questão princi­pal: existe algo que não pode ser descrito? Se você puder descrevê-lo, não será o indescritível. Existe algo que não é o tempo, que é um espaço sem limites e imensamente grande? Quando seu espaço é limitado, você se torna viciado; quando não há espaço, nos tornamos violentos, queremos quebrar objetos. Você quer espaço, mas a mente e o pensamento não lhe permitem obtê-lo. Só no silêncio existe es­paço sem fronteiras. Apenas a mente completamente silenciosa é que sabe, que está ciente da existência ou não de algo que se situa além de qualquer medida.

Essa é a única coisa sagrada - não são as imagens, os rituais, os salvadores, os gurus, as visões. Somente aquilo é sagrado, o lugar em que a mente chegou sem perguntar, porque em si mesmo está vazio. Unicamente na vacuidade algo novo pode surgir.

Nossa Luz Interior — Ágora Editorial

Participe do nosso grupo no Facebook

Participe do nosso grupo no Facebook
Grupo Jiddu Krishnamurti
Related Posts with Thumbnails

Vídeos para nossa luz interior

This div will be replaced